A magia do Network é o terror dos escritores tímidos

Construir uma rede de contatos, mercadologicamente ainda chamada de network — porque o mundo dos negócios tem a incômoda mania de assumir que falar em inglês deixa a coisa mais pomposa — é fundamental dentro do meio editorial. Me arrisco a dizer que sozinho não se chega muito longe nesse mercado (ou em qualquer outro).

Entretanto, eu era a menina que descia pro recreio da escola com um livro e um fone de ouvido.

Ser uma adolescente que “não gostava de gente” foi o que me levou a escrever.

Então, você já pode imaginar o quanto esse conceito de precisar ser sociável, fazer contatos e ter a minha personalidade na frente do meu currículo sempre me gerou sofrimento.

Mas a vida adulta não está nem aí para as nossas inabilidades sociais (não que a adolescência costumasse dar muita bola). A verdade é que a decisão de me tornar escritora veio com a incômoda necessidade de botar meus anos de curso de teatro em prática na vida profissional para tentar me soltar nesses contextos. E a realidade ainda mais dura é que 10 anos depois eu sigo sofrendo com essa questão.

Hoje bem menos do que no meu primeiro evento literário, mas digo com segurança que essa ainda é minha maior dificuldade na carreira (tanto de escritora como de profissional do texto). E, como viver de literatura, de um jeito ou de outro, é hoje o meu maior objetivo de carreira, o remédio é enfrentar o desconforto e fazer o que é preciso.

E, porque compreendi essa necessidade, tenho estudado mais sobre o assunto e feito um esforço para me relacionar mais e melhor com outros profissionais do meu meio. Falei disso no Tik Tok outro dia, quando um livro sobre construção de network me fez pensar que eu não tinha tanto dedo de conhecer gente nova e me enfiar em contextos sociais diferentes quando estava solteira e o objetivo não era bem profissional.

E como é covarde deixar de ser cara de pau justamente na seara que pode garantir meu futuro, não é mesmo?

Porque eu sei que consigo me inserir em grupos e mostrar que sou gente boa e interessante. Foi assim que eu arrumei um namorado: chegando (quase) de penetra num churrasco de gente que eu não via há 10 anos. E ainda construí amizades que eu nem sabia que poderiam existir. E, se em alguns meses consegui construir isso na minha vida pessoal, por que é que na profissional a ideia ainda me dá frio na espinha?

É claro que eu sei que passa pelo medo de ser rejeitada, de todos descobrirem que sou uma grande farsa, incompetente que tem o cérebro liso tal qual um peito de frango.

Aí acontecem coisas como inspirar o texto de uma escritora que eu admiro, passar em segundo lugar pro doutorado na melhor universidade do país ou ter a coordenação da pós-graduação interessada comercialmente no meu projeto de TCC e meus divertidamentes, confesso, entram em certo curto-circuito. Crenças limitantes e problemas de autoestima são grandes responsáveis por meu (não tem outro nome) medo de me relacionar no mercado. Ainda que as poucas relações que eu consegui construir nesses anos de carreira sejam ótimas!

Lembro de uma sessão de terapia, uma semana antes da Bienal de 2022, minha primeira em São Paulo, em que expus meu terror de que as autoras que eu admirava e que estariam no mesmo estande que eu, e que diga-se de passagem já me conheciam há anos, não fossem com a minha cara. Eu tinha a convicção de que me achavam metida, má escritora e não iriam querer andar comigo, já que meu livro não ia vender bem.

Corta para o dia do evento: eu e três dessas escritoras sentadas sem sapatos no chão do Expo Center Norte, conversando sobre o mercado, contando piadas e felizes porque meus livros estavam prestes a esgotar.

Eu sempre tive essa ideia de que as pessoas não iam gostar de mim. E que elas ficavam, assim como eu, remoendo cada palavra que eu dizia em nossos encontros para dissecar meus erros e acertos. Mas acho que ninguém é tão psicopata. No fundo ninguém pensa tanto assim nos outros. E a “vergonha” de abordar alguém, se apresentar e puxar um papo pode existir só na sua cabeça.

Comecei a escrever esse texto porque hoje, dentro do ônibus da UFRJ, vivi uma experiência que me fez voltar a questionar esse constrangimento em falar com estranhos.

No caminho para a defesa de mestrado do meu namorado, escutando o “Gostosas também choram”, senti um cutucão no meu braço e me virei para o homem sorridente do meu lado. Por um segundo, me perguntei se o conhecia e abri um sorriso por educação (sou péssima fisionomista e poderia não o estar reconhecendo). Mas o moço me informou que não falava português, questionou se eu falava inglês e eu prontamente me dispus a ajudá-lo. Afinal, um gringo dentro do Fundão, cutucando uma estranha devia estar precisando de alguma coisa. O que me chocou foi que não.

O querido Alex só queria conversar. Estava “fazendo amigos” e me contou experiências incríveis de pesquisa, viagem e estudo. Conversamos muito sobre a academia e diferenças culturais. E eu desci do ônibus invejando a cara de pau daquele madrilenho que dava tudo de si para viver a experiência de intercâmbio a que se propôs.

Subi as escadas do Centro de Tecnologia embasbacada, tomando um tapa na cara da minha própria mente e outro metafórico do Alex. Daqui para frente, toda vez que sentir dor de barriga com o conflito interno para decidir se abordo ou não um agente literário, editor ou autor com quem gostaria de conversar, vou lembrar do gringo no ônibus que me fez tirar o fone de ouvido e ganhar uma história pra contar.

Porque viver é se conectar… E nem sempre as conexões vão ser positivas, mas sem cara de pau você também não tromba com as que podem mudar sua vida.

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