
Eu sempre fui uma leitora voraz, engolia um livro atrás do outro e na adolescência cheguei a levar esporro por me trancar no quarto para ler em vez de confraternizar com a família no Natal. Então é claro que trabalhar com livros foi meu caminho natural. Pesquiso literatura, reviso texto, dou aula de redação, indico leituras, escrevo livros, artigos e newsletters. O que eu não imaginei foi que isso poderia me custar justamente tempo de leitura.
Foi já na faculdade que percebi que a demanda de leituras acadêmicas e de trabalhos me impedia de manter o ritmo das leituras por prazer. A vida é dura e ser adulto tem suas consequências. Mas naquela época fiz um combinado comigo mesma: tenho que me manter sempre lendo pelo menos um livro só porque eu quero.
E foi assim que a rotina de ler duas ou mais coisas ao mesmo tempo me pegou.
E não, eu não falo isso com orgulho porque recentemente sinto que me perdi nessa lógica. Tenho mais livros comprados do que dou conta de ler em 3 anos. Justifico com o trabalho, mas acho que nem eu caio mais nessa desculpa esfarrapada. Quero ler por prazer, mas preciso ler para indicar nas redes sociais, preciso ler para acompanhar as aulas do doutorado, preciso ler para escrever meus artigos. E no fim as leituras viraram pra mim uma espécie de controle da produtividade.
LEITURA X PRODUTIVIDADE
Outro dia um amigo mandou uma pergunta capciosa: como não se sentir culpado por ler em vez de estar fazendo algo “mais importante”? E essa lógica da produtividade exacerbada, pra mim, é um dos maiores responsáveis pela diminuição de leitores no nosso país.
A última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil deixou claro que o público leitor cai muito na faixa etária em que entramos no mercado de trabalho. Com menos tempo e cada vez menos dinheiro, a leitura vai deixando de ser hobby e cada vez mais parecendo uma besteira menos importante do que produzir o tempo inteiro.
Ironicamente, na minha vida isso se apresenta de um jeito meio doido, com uma certa hierarquização entre “leitura pra pesquisar”, “leitura pra produzir conteúdo” e lá embaixo, negligenciada como se não fosse a grande responsável por hoje eu trabalhar com literatura, ela: a leitura por prazer, do livro que me der vontade.
E não é porque o meu sentimento esquisito de necessidade de produção me leva a outras leituras que ele melhor do que o seu. Porque a lógica é a mesma, capitalista, imediatista e nem um pouco saudável. O que vale seu tempo é o que vai te dar prestígio e dinheiro. Você, vocezinha mesma, as coisas que te interessam, que fazem seu olho brilhar, não importam. Se não está dentro do que pode vir a se tornar “produtivo”, não presta.
E quando foi que o lazer deixou de ser produtivo?
Quando foi que essa palavra que vem de um lugar tão mecânico passou a reger nossa vida? Não tem mais espaço pro orgânico? Pros interesses puramente nossos? Porque lazer e cultura, caso você tenha esquecido, assim como segurança e alimentação, são direitos e necessidades básicas para uma vida digna. Você não é um robô. Seu tempo não precisa ser controlado no cabresto como se meia ou uma hora de leitura diária (por prazer!) fosse acabar com toda a sua construção de sucesso.
E que sucesso é esse em que você só trabalha? Em que não se tem tempo para fazer algo de que você sempre gostou sem o amargor da culpa por não “tirar nada” daquilo?
Me perceber tão imersa nessa lógica a ponto de: 1.não terminar nada que começo a ler; 2. evitar calhamaços porque vai atrapalhar minha “meta de leituras”; 3. começar três ou quatro livros ao mesmo tempo só pra ver se assim a lista de leituras anda mais rápido; fez eu me sentir enjoada, tonta mesmo, como se tivesse entrado num daqueles barcos piratas de parque de diversões em que tem outra pessoa, ou coisa, me sacudindo de um lado para o outro sem que eu consiga sair.
Você provavelmente faz a mesma coisa, talvez com serviço de casa; quem sabe com os relatórios da semana, ou com os textos da faculdade; talvez até com hierarquização de conhecimento, curso de milhas, resposta de e-mails e suas variações. Mas deixa eu te contar?
Seu hábito da leitura só vai voltar ou se estabelecer se você insistir nele. Porque do jeito que o mundo anda não vai ser um milagre que vai recuperar seu tempo e foco pra sentir prazer lendo.
Então pega aquele livro que você tá doida pra ler só porque sim e lê o tanto que der por dia. Eu juro que o mundo não vai acabar, mas talvez você saia outra pessoa dessa leitura.
Bruna Paiva